Muito tem se falado sobre Cultura de Segurança dos Alimentos – chamaremos a partir de agora de CSA – após o fórum de 2018 pela Global Food Safety Iniciative (GFSI). O conceito em si é bastante simples, mais como podemos medir a CSA dentro das organizações de modo que possamos identificar oportunidades para trabalhar a disseminação/perpetuação dessa cultura?
No texto a seguir, vou explicar um pouco sobre a CSA e disponibilizar uma ferramenta para medida dentro da indústria alimentícia.
Em 2018, a Global Food Safety Iniciative (GFSI), composta por uma colaboração global liderada pela indústria e dedicada ao constante avanço na produção de alimentos seguros para consumo, trouxe para discussão que o sucesso e a sustentação da segurança dos alimentos nas organizações vão além de normas e procedimentos formais, devendo se enraizar dentro da cultura das empresas.
A cultura de uma organização afeta e é afetada pela estrutura e outros fatores do comportamento organizacional como um todo, tais como, a motivação, a liderança e até mesmo a tomada de decisão, além de estar relacionada a fatores históricos, econômicos e sociais que regem e fomentam a estratégia das organizações ao longo dos anos.
A cultura tem início com valores compartilhados que produzem normas e regulamentos que orientam o comportamento individual e em grupo pelos colaboradores dentro da organização. Esses comportamentos são então punidos ou reforçados, de modo que, possibilitam o amadurecimento e perpetuação da cultura fazendo com que a mesma se torne difícil de ser modificada com o tempo.
Quando falamos de cultura no setor alimentício especificamente, o posicionamento da GFSI no fórum de 2018, traz a definição de CSA como sendo um conjunto de crenças, valores e normas compartilhadas, que afetam o pensamento e comportamento de todos os colaboradores da organização com relação à segurança do alimento. Observa-se muita similaridade entre as definições de cultura apresentadas acima, de modo que, o setor de alimentos tem o desafio de unificar e disseminar essas culturas conjuntamente dentro da organização. Importante observar e salientar que ambas as definições apresentadas relacionam cultura como um resultado do comportamento do indivíduo.
Nas últimas duas décadas, estudos têm demonstrado que falhas relacionadas aos requisitos de segurança dos alimentos nas organizações, não estão somente relacionadas a desvios técnicos, como por exemplo uma quebra de maquinário, mais sim, a comportamentos inconsistentes de colaboradores conscientes das necessidades do sistema de gestão de segurança dos alimentos da organização e, nesse sentido, é de interesse da indústria de alimentos conseguir medir a extensão e maturidade da CSA dentro da organização, a fim de direcionar as tomadas de ação de maneira mais assertiva e eficaz.
Existem hoje inúmeros instrumentos que auxiliam na compreensão e classificação da cultura organizacional dentro das empresas, sendo alguns exemplos a auditoria cultural e o Instrumento Brasileiro para Avaliação da Cultura Organizacional (IBACO), porém, em se tratando de CSA mais especificamente, observa-se uma evolução sobre o tema de maneira teórica e conceitual, no entanto, ainda não estão disponíveis na literatura muitos instrumentos para uma medida quantitativa, havendo necessidade de pesquisas exploratórias para desenvolver esses instrumentos.
Uma alternativa para aqueles que buscam um diagnóstico sobre a extensão da disseminação da CSA dentro da organização é a contratação de treinamentos e serviços disponibilizados pelas certificadoras, mais se você, assim como eu, entende que é possível conseguir fazer isso sozinho e sem agregar custo extra ao negócio, vou te ensinar o caminho que eu segui e disponibilizar a ferramenta que eu desenvolvi no meu trabalho de conclusão de curso do MBA em Gestão de Pessoas pela ESALQ-USP.
Antes de falar da ferramenta de forma específica, gostaria de sinalizar que a maioria dos instrumentos de diagnóstico e de gestão de comportamento organizacional apresentam questões que podem deixar os respondentes desconfortáveis, e até mesmo gerar constrangimento na busca por respostas fidedignas, havendo necessidade da tramitação do questionário junto ao comitê de ética ou RH da organização. Mais muita calma, uma forma de conseguir quantificar a CSA e não necessitar de toda essa burocracia – segue meu segredo – é fazer uma pesquisa de opinião.
A pesquisa de opinião capta a percepção dos colaboradores sobre os fenômenos de interesse e não sua vivência e/ou opinião pessoal, não causando, portanto, qualquer constrangimento ao respondente.
A ferramenta que desenvolvi apresenta um nível de confiabilidade classificada como muito alta, com um coeficiente alfa de Cronbach de 0,92. Esse coeficiente possibilita uma medida da consistência interna de uma escala para um conjunto de dois ou mais construtos, ou seja, durante meu estudo pude demonstrar a eficácia da ferramenta a partir dos resultados obtidos na aplicação dentro de uma empresa do ramo alimentício.
1) Consiga sua planilha pronta aqui
2) fazer a sua própria pesquisa baseada no roteiro que deixo a seguir:
ROTEIRO:
1) Encontre na literatura uma pesquisa de opinião sobre CSA que acredite ser adequada para o seu propósito de medida – dica, busque em inglês pois em português não vai encontrar nada muito consistente e de forma gratuita;
2) Transforme o questionário em uma pesquise de opinião, ou seja, transcreva a pergunta de modo a capturar a percepção do respondente sobre o fenômeno de interesse e não a sua vivência pessoal, pois, é justamente essa busca pela vivência individual do respondente que pode causar o constrangimento no momento da resposta ao questionário, gerando concomitantemente uma resposta não fidedigna. Exemplo:
Questão: Na empresa que eu trabalho, a cooperação é mais valorizada que a competição?
Transcrição: A cooperação deve ser mais valorizada do que a competição dentro do ambiente de trabalho?
3) Estabeleça a forma de avaliação dos dados. Sugiro que a pesquisa seja composta de questões fechadas e a escala de avaliação empregada seja a de julgamento de grau, com isso, para a correção da escala de julgamento, basta fazer o cálculo da soma do valor atribuído pelo respondente para cada questão da pesquisa, pela divisão pelo número de questões que compõem o questionário. A partir desse cálculo, obtém-se o escore individual de cada respondente ao questionário e, para conseguir medir o desempenho da organização, basta fazer uma média dos escores individuais obtidos;
4) Avaliação dos Resultados: Quanto maior o escore calculado, maior o grau em que o valor ou prática organizacional mensurada encontra-se presente na organização, indicando uma CSA amplamente disseminada. Logo, o oposto também vale, quanto menor o valor de escore obtido, menor o grau em que o valor ou prática organizacional encontra-se presente na organização;
5) Estabeleça a população de interesse. Sugiro a técnica de amostragem probabilística randômica simples;
6) Defina os critérios para aplicação da pesquisa, se vai ser confidencial ou se os colaboradores devem se identificar. Eu sugiro confidencial mais que os colaboradores descrevam os cargos – por exemplo supervisor, coordenador, analista, etc. – para que seja possível fazer uma avaliação dos resultados da pesquisa em relação aos cargos de liderança, operacionais, administrativos, etc.
7) Aplique a pesquisa de opinião da forma sugerida pela sua organização. Eu utilizei o Google Forms e divulguei por e-mail via setor de comunicação;
8) E por fim avalie os dados conforme expliquei no item 4.
Espero ter ajudado com suas dúvidas e a seguir deixo duas recomendações de livros para saber mais sobre cultura organizacional:
Siqueira, M.M.M. 2008. Medidas do Comportamento Organizacional Ferramentas de Diagnóstico e de Gestão. Artmed, Porto Alegre, RS, Brasil.
Hitt, M.A.; Miller, C.C.; Colella, A. 2007. Comportamento Organizacional Uma Abordagem Estratégica. LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda., Rio de Janeiro, RJ, Brasil.